Vontade & Luta) É uma honra entrevistar uma banda com um trabalho que, tecnicamente, considero complexo para a musicalidade punk da década de 80. Quais motivações para que, do punk-rock tradicional paulistano do Lixomania surgisse algo como o 365?
365) O nome 365 tem uma história. O Lixomania foi se apresentar no Sesc- Pompéia (Fábrica do Som, etc)acho que em 83. O público conseguiu arrancar até os bancos presos em concreto.Foi um desastre. Mesmo para os shows punks, a quebradeira foi demais e os caras decidiram mudar o nome da banda com medo de não conseguirem mais tocar em outros lugares. Inventaram esse nome numa festa na casa do Julio Barroso (Gang 90).Fizeram uma apresentação com esse nome, se muito,depois voltaram ao nome Lixomania.Logo depois,deram um tempo de tudo. O Miro de Melo (baterista - Lixomania) gravou um trabalho (demo) comigo e com o Mingau (atual Ultraje a Rigor) em 1984 e nos falou de sua vontade de reativar o nome 365, mas sem o repertório do Lixomania. No fim de 85 nos reunimos. Ari Baltazar (Fator Zero/Fogo Cruzado), Mingau (Ratos de Porão), Miro de Melo (Lixomania) e eu que fazia letras pro pessoal que pedisse e tinha um trabalho solo acústico que valorizava mais as letras do que o som. Não havia uma consciência política muito menos a valorização da raiz paulista no meio rock daquela época. Tinha o tal do "Pobre Paulista" do Ira!, mas era mais racismo velado que outra coisa. Comecei a falar da história de São Paulo em entrevistas e mostrei alguns contos meus onde eu realçava a geografia da região pros caras e eles gostaram. Fiz a letra de São Paulo que o Ari musicou e o negócio explodiu.Isso foi estranho,também. Em meados de 86 a RCA nos chamou ao Rio para fazermos uma demo para eles. Ficamos uma semana gravando. Voltamos 15 dias depois para mixar, então o técnico falou:"Vocês não tem nada mais calmo?" Mostramos São Paulo achando que o carioca ia chiar,mas o cara falou :"gostei". Pra resumir: os caras não quiseram a gente e ainda deram a fita de presente. Voltamos pra São Paulo onde uma rádio recém-inaugurada (89fm) pedia trabalhos de bandas independentes.Levamos e a música tocou por seis meses como demos até que o disco saísse pela Continental que nos contratou quando a músicas passou a tocar dia e noite.
365) Sou descendente de portugueses, mas não me animei muito com a revolução dos Cravos (tinha 11 anos-74). O Ari é filho de portugueses e ouvia isso em casa, mas sem ideologia na parada. Tacou um arranjo punk na música mais pelo feeling que outra coisa.
365) “Cenas de um Novo País” saiu em 1990. A mídia se voltou para o pagode, lambada, axé, enfim.O rock voltou para o underground e fomos seguindo nosso caminho do jeito que dava. A tensão era grande devido à falta de dinheiro, principalmente. Tínhamos atritos freqüentes por causa de várias diferenças internas, entre elas vícios! Meu negócio sempre foi alcoól. Isso me afastava das rodinhas e tchurmas que curtiam outras coisas que os caras também curtiam. Um dia me desentendi feio com o baterista e saí. No mesmo dia o guitarrista e o baixista (M. N. Junior) vieram pedir pra entrar no projeto que eu vinha montando havia alguns meses. O MMDC era uma radicalização da minha visão de um Brasil visto pela ótica bandeirantista. Fizemos um disco bem recebido, mas os “vícios” da relação anterior minaram o projeto e eu pus a banda pra gelar.
365) O MMDC de NON DUCOR DUCO é o 365. O baixista M.N. Junior havia substituído Callegari (ex-Inocentes) que havia substituído Mingau. O guitarrista é Ari Baltazar que já tocava e compunha comigo no 365. O baterista era free-lancer. O nome em latim eu tirei da bandeira do município e significa "Não sou conduzido, conduzo". O trabalho gráfico, tirei de cartazes e figuras da revolução constitucionalista de 32. As músicas são minhas ou minhas e do guitarrista, exatamente como era no 365.
V&L) Duas canções do primeiro álbum admiro bastante: “Fúria” e “Nunca mais Seremos os Mesmos”. O que você poderia dizer sobre estas canções? Na época como hoje, o que, afinal, você poderia explicar sobre suas letras?
365) As duas refletem o meu rompimento definitivo com minha família e aquilo que eu achava que eles representavam. Sou filho de um soldado da PM e uma costureira. Uma família evangélica de brancos muito pobres que moravam em um lugar miserável. Sem água encanada, sem esgoto,sem asfalto e sem iluminação pública.O rock e principalmente a literatura foram a minha maneira de sobreviver a toda aquela miséria e frustração. Por outro lado, sabia que aquele auê todo não ia durar muito. As bandas eram ingênuas e tava na cara que nós não suportaríamos o choque com o “meio artístico”. Deu no que deu! Fizemos a nossa panela e só uma meia-dúzia sobreviveu. Hoje, aos 48 anos de idade, sei que o combate deve ser dirigido àquilo que me cerca. Nunca dei um centavo para traficantes, mas concluí que não devia dar dinheiro pra fábricas de bebida ou de cigarro. Não bebo e não fumo e isso foi muito difícil mas necessário. Não encaro mais a religião como um mal em si, porém, passei a “perceber” o mal como uma entidade real.
V&L) "São Paulo", uma forte e marcante canção! Outro dia, há alguns anos atrás, escolhendo canais na TV, esbarrei em uma reprise de uma novela do SBT e, pelo que vi, era da década de 90 e, qual minha surpresa por que fiquei detido na tela? Esta música estava na trilha sonora desta produção! O que falar sobre ela?
365) Quando fiz São Paulo, imaginei uma superposição de clichês como uma metáfora do que é ser paulista. Sempre achei muito estranha a maneira como algumas pessoas se referem à cidade, por exemplo como feia ou fria. Vejo gente que descreve sua cidade citando a natureza que a rodeia como parte integrante dela. Isso pra nós é impensável. Cidade é aquilo que nós construímos. É assim que nos vemos. Isso aqui não era uma capitania hereditária onde um bando de colonos veio explorar e depois sumir. Desde o começo, quem vem prá cá vem sozinho, vencer ou morrer tentando. É mais ou menos essa a idéia. Um monte de gente regravou a música. Bandas de rock das mais diferentes ideologias pop, baião, pagode. É inexplicável!
365) O Ari trabalha na administração de um aeroporto. O Miro levanta fundos pra uma casa de apoio à crianças portadoras de deficiência,administrada pela irmã dele. Eu fabrico biscoitos artesanais que forneço para cafés e restaurantes. Os temas que nos inspiram são os mesmos: Injustiça social, hipocrisia...o tempo! Os caras vão a muitos shows e dizem não gostar de literatura. O que eu mais gosto é de ler e escrever. Poesia (Pound, Rilke, Baudelaire, Elliot, Alvares de Azevedo, Mario de Andrade, Guilherme de Almeida...). Prosa (Oswald de Andrade, Monteiro Lobato, Antonio Bivar, João Antonio...). Me interesso bastante por cinema e artes plásticas mas isso é muito mal visto no lugar de onde venho (Freguesia do ò). O músico popular, em geral, tem pouco interesse por arte!
365) Esperamos voltar em breve ao Rio. Quanto a disponibilizar,como as músicas estão editadas, prefiro responder que o controle delas está fora do meu alcance.Que haja paz no seu coração. “Pro Brasilia Fiant Eximia”.
V&L) Muito obrigado pela entrevista, Finho! Forte abraço!
E, aqui, você baixa o primeiro álbum desta que é uma das maiores bandas punks brasileiras! Link abaixo:
http://www.megaupload.com/?d=5P5D5SRC - 365 (1987)
entrevista fantastica
ResponderExcluir