Vontade & Luta, neste mês de aniversário, foi muito mais longe e invadiu o frio território russo e trouxe uma das maiores revelações do Oi! daquelas terras. Aqui, a banda apresenta-se para nossos leitores e, ainda, expõe o que é ser um skinhead em Moscou. Aproveitem esta entrevista! Tradução realizada por Primata (Honor Ferox/Letras PUNK).
Vontade & Luta) Ouvindo seu último trabalho, e único que conheço, “Podelka” (2008), percebo diversas influências da música Oi! No som de vocês, que me lembram Perkele e riffs de rock’n’roll. Quais influências vocês têm, e como definem o som de Uchitel Truda?
Uchitel Truda) Primeiramente, ano passado lançamos nosso novo álbum, The 80’s Kids, que na minha opinião está mais profissional. E não acho que temos lá muita influência de Perkele, mas temos sim alguma influência. Temos influências de grandes bandas antigas, algumas bem conhecidas hoje em dia, outras nem tanto. Definiríamos nosso som bem próximo às bandas Oi! européias dos anos 80. Algumas pessoas dizem que lembra Skrewdriver da fase inicial, outros dizem The Templars. Mas de forma geral tem a ver mesmo com Rock’n’roll antigo, então concordo com o que falou sobre os riffs, mas discordo sobre Perkele. Em termos de banda, diria que nossa influência é do que escutamos no dia-a-dia. Da velha cena francesa, The Templars, a cena britânica etc. e até mesmo alguma coisa de New Wave e Heavy Metal. Num geral focamos mais em sons antigos. Enfim, nunca tentamos copiar nenhuma banda, tocamos o que gostamos e nos esforçamos por fazer um som russo único, do mesmo modo que existe o Oi! alemão, o francês, ou o espanhol.
V&L) Vocês parecem ser autênticos caras da classe trabalhadora russa. Eu adorei músicas como a “Novye Botinki, Starye Shramy”. O russo é uma língua difícil de se aprender em meu país, pois existem poucos professores e poucas pessoas que têm contato com a cultura de vocês. Quais são os temas em suas canções?
UT) Pelo que sei, no Brasil há uma parte da população que possui raízes russas, a maioria filhos de antigos imigrantes, eu acho. “Novye Botinki, Starye Shramy” significa “Novas botas, velhas cicatrizes”. Num geral fazemos letras sobre temas de nossas vidas (como todo mundo faz, obviamente). Algumas de nossas letras são sérias, outras nem tanto. Coisas comuns como você ir encher a cara depois do trabalho, ou começar porrada em danceterias, ou sobre a importância de permanecer o que você é, mesmo que odeie seu trabalho, e toda diversão que tenho é ficar bêbado, começar brigas e fazer tatoos. Nunca nos agradou os clichês imbecis que se vê na cena Oi!, tipo todos cantam sobre como é legal usar botas, suspensórios e beber cerveja. Com relação às bandas punks, sempre prefiro as que têm bom senso de humor. Gonads, Max Splodge, coisas do tipo. Dessa forma tentamos colocar um pouco de humor em nossas músicas.Do mesmo modo como usamos de clássicos hinos skinheads, e botamos em realidade o skinhead ultraviolento de livros ou filmes, livros franceses antigos como Os Três Mosqueteiros. Skinheads de Dr. Martens que não conseguem viver sem vinho francês, baguete e romances, ultra violência ‘c’est La vie’ (música “Papa Jaques”). Também procuramos falar com ironia sobre coisas sérias, como a música “Wunderbar”, que fala de casos com mulheres casadas, que é também uma paródia dos clichês românticos alemães (como “Werther”, de Goethe) e da indústria pornô alemã. Há também alguns sons sobre futebol e hoolingans. E a última música do álbum “The 80’s Kids” mostra o quanto estamos velhos agora e fala sobre como era melhor quando tudo começou. Não sei se consegui ser claro com o que disse, mas as palavras-chaves são: humor e histórias reais.
V&L) Além da música, quais outros elementos influênciam suas músicas, como filmes, escritores, ...
UT) Com certeza sim, como pra todo mundo, eu acho. Há uma infinidade de coisas que formam o que você é. Eu acho que você não irá encontrar uma influência direta de Dostoievski, Pushkin ou Prokofiev em nossas músicas, mas raízes são importantíssimas de qualquer modo. Grandes obras russas (minhas prediletas são de Leskov e Dostoievski), música popular russa, cinema etc. certamente fazem uma grande parte da minha vida. Mas nas músicas, honestamente, você vai perceber mais influência da cultura de massa, filmes antigos etc., como em uma de nossas músicas eu começo com as palavras de uma antiga canção russa, que aparecia sempre em filmes clássicos sobre espiões. Bem, todos nós podemos falar um bom tempo sobre cultura, mas não são influências diretas, dá pra perceber, né?!
V&L) “Moskow Pride”! Como é a vida Skinhead em sua cidade? Você têm problemas? De quais tipos?
UT) Sinceramente não tenho noção de quantos Skinheads existem em Moscou, pois isso sempre varia. Mas agora acho que a onda modista de virar Skinhead acabou. As pessoas de direita preferem se auto intitular apenas de nacionais-socialistas ou algo do tipo, os de esquerda apenas comunistas ou militantes antifa. Num geral a cena russa se desenvolveu de forma clássica: no início poucos Skins apolíticos próximo dos Punks e HCs, daí os de direita aumentaram, depois os de esquerda. Na cena Skin se envolvem muitos jovens com paixão pela violência, que podem sem problema algum te esfaquear nas costas. Por exemplo, há poucos dias atrás um garoto que eu conheço tomou 19 facadas só porquê ele tava usando uma camiseta da banda One Life Crew. Por ora muito radicalismo, e muita violência estúpida. Acho que é o normal de toda grande cidade. Mas eu não diria que é só isso, Moscou é uma ótima cidade, onde você pode se divertir bastante.
V&L) Como são as Gigs na sua cidade? E fora da Rússia?
UT) Não tocamos com freqüência em Moscou, a última Gig foi a mais ou menos um ano atrás, torço pra que o próximo seja logo. Mas eram ótimos, não muitas pessoas, mas a maioria eram bons amigos, alguns deles estiveram na nossa primeira Gig. A maioria de nossos shows acontecem numa boa atmosfera que não é muito típica da cidade. Em S. Petersburgo (2ª maior cidade russa) costumamos tocar bastante. Em nossa última apresentação nós batemos em algumas pessoas, que não respeitavam outras pessoas no local e que não gostavam da poesia do Pushkin. Mas em geral há muito boa atmosfera e muita diversão. Também gostamos de tocar em Novgorod, uma das cidades russas mais antigas, onde há uma fábrica de álcool e festas supremas. A situação de cada cidade é variável, mas em geral temos ótimos momentos em todos os lugares. Garotas mostrando os peitos, álcool, piadas amigáveis etc. Eu acho que o principal é que temos uma boa relação como banda, assim a gente se diverte em qualquer lugar. Nós tocamos fora da Rússia só uma vez, em Minsk (Bielorússia), mas na metade do evento o show foi parado por conta de uma grande briga do lado de fora. De qualquer forma, a gente recebeu nosso dinheiro, o que foi bom.
V&L) Eu sou simpatizante da arte marcial russa chamada “Systema”. Alguns membros da Uchitel Truda são lutadores? Vi fotos com motivos de boxe!
UT) Na verdade não sei muito sobre “Systema”. No momento eu tenho praticado Jiu-Jítsu (o Brasil é uma ótima escola), já pratiquei Sambô, Boxe e luta de combate do exército russo. Nosso baixista também pratica boxe. Certa vez nós fizemos um torneio de boxe antes de nosso show em Novgorod, foi muito divertido.
V&L) No país da vodca, tem espaço pra cerveja em seus corpos?
UT) Existe um provérbio russo que respode: “Vodca sem cerveja é um gasto estúpido de dinheiro”.Hoje mesmo, depois do trabalho tenho planos de tomas umas cervas com um velho amigo de S. Petersburgo que tá aqui em Moscou.
V&L) E futebol, como é a relação de vocês com os times e torcedores?
UT) Com alguns torcedores nos damos bem. E no passado alguns integrantes da banda tavam mesmo agindo como hooligans. Um dos melhores amigos da banda, Marat, foi do comando da FC Spartak Moscou, fez até algumas poucas letras de nossas músicas. Elas tratavam de futebol num geral, mas de forma irônica, como a Арматурный завод (Armaturniy zavod) e também a Hoolscore. Ironicamente apoiamos diferentes times e talvez até mesmo brigas entre elas... Esse é o poder do Rock’n’Roll que pode fazer amigos de inimigos hehe. E agora nós temos amigos entre os torcedores.
V&L) Além da banda, quais são suas ocupações?
UT)
Eu sou jornalista, o Zhenia constrói naves, o Andrey é professor de profissão (que nem o nome da banda), o Afonya trabalha em nossa indústria de defesa (também alguma coisa a ver com naves).Eu também possuo um projeto paralelo, a banda Finka Zhigana – música popular russa de prisão misturada com punk, Oi! e psychobilly - http://www.myspace.com/finkazhigana . Afonya toca também numa banda punk antiga, a Zuname. Em seu começo, eles tocavam um punk enérgico em português, anos ruins, (agora) eles tocam o moderno “irish punk”. É uma história triste hehe.
V&L) Você sabe algo da cena Punk & Skin brasileira e latino-americana?
UT) Na verdade não. Há muito, muito tempo atrás eu me correspondia com um Skin do Rio, mas perdemos o contato.E conheci um Skin da Colômbia em Londres.Lembro-me de poucas bandas latinas... Curasbun Oi! Do Chile, Camarada Kalashnikov da Catalunha (Espanha). Eu gostaria de saber mais sobre a cena de vocês.Nos últimos anos tenho pensado seriamente em visitar o Brasil e a América Latina, mas no momento não tenho grana suficiente, então isso é só um sonho. Sei também que tem uma ótima cena Psycho, Os Catalépticos são umas das minhas prediletas (num geral não curto muito psychobilly). E claro, tenho muito interesse no Jiu-Jítsu brasileiro e tal. O Brasil trouxe ao mundo excelentes lutadores.
V&L) E quais os fanzines e bandas da sua terra que mais gosta?
UT) A propósito de zines, eu faço um chamado “Mosqueteiro”. Hoje em dia não leio mais os zines russos. Quando eu era mais novo me interessava muitíssimo por zines da cena punk e hardcore, mas hoje já não vejo mais o que me interessa. O mesmo que com as torcidas organizadas, os zines não são mais tão divertidos pra mim. Por um lado temos agora a Internet, que mata o zine tradicional, e por outro as pessoas ficaram mais velhas e mais preguiçosas – essa é minha história. Eu tenho aguardado agora apenas uma nova temática pra levantar meu velho zine, mas sinceramente não tenho certeza se irá ser finalizado. Atualmente meu zine favorito é o “Oi! The Print”, da Áustria, acho muito profissional.
V&L) Por favor, suas últimas palavras…
UT) Obrigado pelo interesse em nossa música. Aproveite sua vida, e se mantenha aprendendo sobre a cultura russa, há muita sabedoria.
V&L) Obrigado!
UT) Obrigado!
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